Responsabilidade dos Agentes Públicos no Estado Moderno
Atualmente, no âmbito das relações internacionais, a chamada soberania do Estado circunscreve-se, tão somente, na concepção da intangibilidade do espaço territorial, o que não é de se confundir com a imunidade jurisdicional do estado em consonância com o princípio da autodeterminação dos povos.
O Estado, após o reconhecimento coletivo declarado na Carta das Nações de que a Democracia é o sistema de governo que deve prevalecer, como o mais perfeito instrumento contributivo para o desenvolvimento humano e bem-estar social do povo, não pode tergiversar quanto à necessidade do seu assentamento sob os pilares fundamentais que constituem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, que devem funcionar, intransigentemente, de forma autônoma, independente e harmônica.
A organização estatal deve objetivar, sobre tudo, o bem-estar do homem, a qualidade de vida, a paz e a felicidade humana.
Observando-se rigorosamente estes preceitos, no Estado contemporâneo, constituem fortes vigas de sustentação desses pilares: a Imprensa, o Ministério Público, os Tribunais de Contas, os Bancos Centrais e as modernas Organizações Não Governamentais.
Não haverá, contudo, desenvolvimento humano que assegure a prosperidade continua da qualidade de vida, o bem-estar social e a paz duradoura se não houver a firme conscientização da preservação do “Estado de Direito” nos termos da semente plantada pelo Rei Davi, 963 a/C, de que o Estado deverá ser governado sob a égide das Leis pré-existentes, da ordem jurídica estatutária sob a qual o governante, eleito pelo povo, assumiu o compromisso de governar, respeitando-a exemplarmente. Na linguagem moderna de Canotilho, o Estado Constitucional, o Estado com uma constituição limitadora do poder através do império do direito. 1
Não são os governantes que devem criar o direito para justificar os seus poderes, mas submeterem-se aos princípios e normas jurídicas que os levaram ao poder.
É simplesmente compreensível que o desenvolvimento humano decorre da criatividade, do efetivo exercício da liberdade de manifestação do pensamento, do aperfeiçoamento da descoberta do novo, do conhecimento que se aperfeiçoa e da compreensão coletiva que nos leva às transformações, porque a natureza é dinâmica e mutável, por conseguinte, não se concebe, para os tempos atuais, que o governante queira conservar o ultrapassado sentimento do Rei Luiz XIV, no século XVII, que costumava proclamar l’éta c’est moi. O estado não é o Governante, o Estado é o povo civilizadamente organizado sob a segurança de uma ordem jurídica previamente discutida, aceita e proclamada.
Tal qual em uma sociedade mais ampla, em uma comunidade condominial, qualquer dos seus membros, regular com suas obrigações sociais, poderá eleger-se Síndico daquele Condomínio, pela simples satisfação pessoal de sê-lo ou pelo vocacionado propósito empreendedor de produzir transformações benéficas, de interesse coletivo, por qualquer das motivações, submetendo-se as normas da Convenção e respectivo Estatuto ou Regulamento Interno.
Este Síndico, então, passa a ser o representante legal do Condomínio, eleito pela Assembleia dos condôminos, dotado de poderes executivos e autorizado a tomar decisões, podendo, contudo, ser substituído a qualquer momento, da mesma forma que foi eleito, por uma assembleia convocada especificamente para esse fim, quando violar os preceitos normativos ou atentar contra os interesses condominiais. Em consequência, responderá, civil e criminalmente, por seus atos administrativos irregulares, inclusive, por danos causados a terceiros ou aos próprios condôminos, se for comprovada omissão ou negligência de suas obrigações.
Portanto, as decisões tomadas pelo Síndico devem estar pautadas nas normas da Convenção Condominial, do Regulamento Interno e pelas deliberações das Assembleias Gerais, sem ultrapassar os ditames da Lei.
Mutatis Mutandis, assim deve ser também, o Governante, o Gestor Público. Qualquer cidadão, em dia com suas obrigações civis, no gozo regular dos seus direitos políticos, poderá ser eleito Governante do Estado.
Todavia, princípios jurídicos das nações civilizadas sugerem que os governantes, gestores públicos, devem, na gestão da coisa pública, rigorosamente, obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade dos atos e da eficiência, sujeitando-se à responsabilidade por ato de improbidade se caracterizada inobservância a tais princípios.
O Governante não pode pretender administrar o Estado como se estivesse administrando uma “empresa de sua propriedade”, mudando lay-out e fazendo propaganda (marketing) livremente, contratando o que bem entender e como entender. A função administrativa do Governante, Gestor Público, submete-se, compulsoriamente, a um regime jurídico especial a que se denomina de regime de direito público ou regime jurídico-administrativo, originário dos princípios da primazia do interesse público e da indisponibilidade dos interesses públicos.
Assim, verifica-se ultrapassado em sua forma conceitual concebida o chamado, no “direito internacional”, de soberania tributária, que consiste no poder soberano que tem o Estado de tributar o seu cidadão, dentro e fora do seu território, sem qualquer compromisso de avaliar a sua capacidade tributária.
O cidadão não é objeto do Estado, o cidadão não é simplesmente um contribuinte compulsório dos recursos necessários à sustentação econômico-financeira da estrutura administrativa do Estado, o cidadão ativo produz riquezas nos limites de sua capacidade operativa intelectual, é, pois, em verdade, um agente do desenvolvimento do Estado, um condômino das riquezas estatais, que não podem ser diluídas aleatoriamente sem a necessária observância das destinações específicas e da razoabilidade, de modo a se preservar a própria intangível soberania moral da Nação, consistente em uma vida humanitariamente equilibrada, harmônica e saudável.
O Estado moderno já reclama mais humanização e transparência dos atos públicos. É imprescindível convincente justificativa da necessidade da criação do tributo e razoável transparência da sua real aplicação à destinação legal.
Refletindo sobre o pensamento de Mahatma Gandhi, de que o direito decorre do respectivo dever cumprido, é de conceber que, seja para o Estado, seja para o cidadão, direito, é um conjunto de benefícios que decorrem da consciência dos respectivos deveres cumpridos. Sem esta convicção, em qualquer hipótese, não há que se falar em direito, mas em usurpação de valores injustos por vias oblíquas.
Não são cidadãos nem humanos os atos governamentais autoritários que ultrapassando a ordem jurídica pré-existente expõem o Estado à situação de vexames financeiros e desequilíbrios econômicos ao ponto de submeter os cidadãos, a sociedade, a sacrifícios muitas vezes insuportáveis, violando, injustamente, direitos adquiridos, maculando o bem-estar social, pondo em risco a paz e própria dignidade humana.
É certo que o poder é um ópio excitante que vicia com rapidez e todo vício é tão maléfico para o viciado quanto para a comunidade a que pertence, porquanto agride a moral coletiva e só se sustenta por atos ilícitos de delinquência e corrupção, independentemente de sua natureza ou dimensão.
Por esta razão é que, na democracia participativa, para a preservação do equilíbrio e harmonia social, condição necessária para o continuo desenvolvimento político da sociedade impõe-se a regular alternância do poder.
É de se compreender que a civilização atual não convive mais com os chamados sistemas ditatoriais, ultrapassados, irracionais. A organização do Estado deve está continuamente justificada na satisfação do interesse coletivo e no bem-estar social.
Portanto, se queremos um mundo melhor, se queremos uma sociedade mais humana, mais saudável, mais justa e mais feliz, devemos cada um comportar exatamente, como gostaria que todos se comportassem. Deveremos ser exatamente como gostaríamos de todos fossem.
Mesmo porque, não se encontra também, nos tempos atuais, justificativa racional para as revoluções armadas, para a tomada do poder governamental pela força. Quem as fizer se arrependerá como se arrependeram tantos quantos as fizeram. Quem produz veneno acaba vítima do seu próprio produto. As revoluções têm que ser acadêmicas, científicas, inteligentes, frutos da efetiva liberdade do pensamente humano, saudável e convincente, voltadas para o desenvolvimento da humanidade.
No comprometimento com o desenvolvimento político-cultural e da cidadania, a sociedade deve exercer continuamente o seu direito-dever de fiscalização da gestão pública exigindo a mais ampla transparência dos Atos Administrativos. Na linguagem do mestre Canotilho, direito ao arquivo aberto. 2 O que se faz às escondidas não atende ao interesse coletivo nem satisfaz o bem-estar social.
Uma gestão equivocada ou desastrosa pode proporcionar imensurável prejuízo, não só para o ente de direito público, mas, sobretudo, para toda a comunidade, como exemples recentes que temos assistido e não merecem destaque. Não basta o controle da corrupção, mas o controle de todos os atos administrativos no que diz respeito à observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Princípios constitucionais universais regentes da administração pública.
É o que chamamos de Princípio Da Participação Social, consubstanciado no direito-dever de reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços, acesso a registros administrativos e a informações sobre atos do governante e o poder de representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
É imprescindível a difusão da cultura de que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos devem responder pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, ao cidadão, ou ao próprio Estado.
O Estado deverá preservar a sua estrutura em função do bem-estar social, da qualidade de vida, da paz duradoura e da valorização da dignidade humana. Se o Estado é a nação organizada, é o povo civilizadamente organizado, todo e qualquer cidadão, esteja ele governante ou governado, deverá compreender que o direito a vida, a liberdade, a dignidade humana, deve ser exercido com responsabilidade e consciência de coletividade, conquanto reitere-se: DIREITO É UM CONJUNTO DE BENEFÍCIOS QUE DECORREM DA CONSCIÊNCIA DOS RESPECTIVOS DEVERES CUMPRIDOS.
1 – Direito Constitucional e Teoria da Constituição – 2ª Ed.Liv. ALMEDINA
2 – Ob. Citada, pag. 469.
*Advogado e Professor de Direito; Coordenador do Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador – BAHIA BRASIL.